Há 16 anos apoiando e acompanhando consultorias em gestão no segmento da educação, o professor José Martins de Godoy afirma que o sistema educacional brasileiro precisa trabalhar questões óbvias para melhorar os seus resultados.

Não há quem discorde do valor da educação: da formação do caráter à especialização profissional, sem dúvida é um dos pilares de um país que deseja ocupar lugar de destaque no mundo. Valor enaltecido, a realidade nacional não é animadora: em pesquisa realizada pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) em 65 países, o Brasil ocupa o 53º lugar. De acordo com o economista Gustavo Ioschpe, estudioso do tema e membro do conselho do projeto Educar para Crescer, estamos até mesmo regredindo em indicadores como compreensão de texto e repetência na 1ª série do ensino fundamental. Ou seja, vai de mal a pior. Em consonância com estes estudos está a Fundação de Desenvolvimento Gerencial e seu conselheiro, o professor José Martins de Godoy. Com 16 anos apoiando consultoria em gestão na área educacional para mais de 5 mil escolas públicas, ele afirma que é possível, sim, elencar objetivamente onde atuar para que a educação básica e fundamental do país dê frutos que permitam nosso avanço. São 10 pontos que em seu artigo, O óbvio na educação, ele chama de óbvios: infraestrutura e administrativa mínimas, liderança, corpo docente em sala de aula, alunos também, disciplina, cumprimento dos programas, uso de livros didáticos, atividades extraclasses, avaliações regulares e exigentes e a presença das famílias nas escolas. “Sem estes itens listados não haverá avanço palpável. É preciso um pacto governo-sociedade para encarar a realidade, aplicando gestão para resultados. A mãe de todas as batalhas ainda não foi travada.”

 

1. No artigo O óbvio na educação, o senhor aponta 10 pontos que precisam ser urgentemente atacados em relação às escolas públicas de ensino fundamental e médio do país. Mas num apanhado, o que é este óbvio?

 O óbvio é que o óbvio não é feito. É preciso enfrentar a necessidade de infraestrutura física e administrativas mínimas, de liderança capaz de mobilizar equipes em busca de resultados, de disciplina, de cumprir o currículo mínimo para estabelecer programas para as respectivas matérias. Vai-se até mesmo à Coreia, à Finlândia buscar métodos que não mudam o panorama, não levam o Brasil ao salto necessário. Porque óbvio é que é preciso fazer o arroz com feijão bem-feito.

 

2. Como gestão e administração impactam na qualidade do ensino?

Gestão serve para atingir metas. Primeiro é necessário mapear, verificar problemas da escola e mobilizar meios para atingir resultados. É preciso choque de ensino de gestão para lideranças. Até há cursos com estas finalidades, mas fala-se de tudo: de gerenciamento de cantina, de secretaria etc. A diretora fica por conta de administrar o dia a dia e não tem tempo para selecionar causas que precisam ser atacadas para melhoria de resultados das escolas públicas. Você está vendo a criação de empregos no Brasil, não está? Mas há milhares de vagas a serem preenchidas porque temos 15 milhões de analfabetos funcionais. Sabe quais as maiores dificuldades que as grandes empresas estão tendo? Contratação de pessoas com o mínimo de qualificação. Por exemplo, empresas de transportes não conseguem contratar motoristas porque os caminhões hoje em dia estão cheios de comandos e computadores a serem operados. É necessário gente instruída para tal.

 

3. Por que a sociedade não cobra melhoria da escola pública e das condições salariais dos professores?

A sociedade ignora, de fato, que a educação é tão importante para o país. Se houvesse consciência sobre isso, apoiaria a causa. Você chega a muitas escolas e não há equipe completa, muitas vezes se improvisam professores. O ano letivo começa, corre e lá para maio, junho ainda não há professores de determinadas matérias.

 

4. Falta até professor em sala de aula?

Vi isso em várias escolas, falta um planejamento adequado. Também há muita gente em desvio de função e licença médica; isto tem que acabar. Este desafio precisa ser encarado: a valorização dos professores, com remuneração compatível. Senão não há atratividade. Isso é fundamental para o sucesso da educação no país. A carreira do professor precisa ser repensada, pois o que vivemos hoje é um faz de conta.

 

5. Como chegamos ao ponto atual das coisas, com professores mal remunerados e carreira pouco promissora?

A educação básica e fundamental carece de um projeto bem pensado e a carreira de professor, repensada e estruturada de forma competitiva no mercado. No passado, professores de escolas públicas como Estadual Central, Colégio Tiradentes, Instituto de Educação eram famosos e valorizados. Quando a educação tornou-se massificada para atender todo o país, o número de profissionais aumentou, mas sem haver seleção, qualificação. O processo foi se degenerando, pois o sistema passou a não ter atratividade, principalmente por não oferecer remuneração compensadora.

 

6. O senhor mencionou o programa 5s como uma das ferramentas de gestão para solucionar o problema da dis­ciplina nas escolas e na sala de aula. Mas como levar um aluno indisciplinado a participar de um programa deste?

Pois são os alunos os mais interessados. Eles passam a ser os agentes de mudanças. Escolas que eram pichadas passam a não ser mais. Não é difícil conseguir a participação. Já adotamos escolas em que o professor tinha dificuldades para começar a dar aulas, mas, implantado o programa, a dificuldade foi sendo superada.

 

7. A distribuição de livros didáticos pela rede pública não significa um avanço?

Realmente é necessário que os alunos possuam livros relativos às disciplinas que estão cursando e que, ao selecionar este material, as escolas analisem se os conteúdos estão de acordo com os currículos mínimos adotados em cada estado. Mas o livro precisa chegar a tempo e ser realmente adotado. Até hoje há professores passando conteúdo no quadro; isto é uma perda de tempo.

 

8. Os problemas das escolas públicas vão de instalações físicas, passam pela violência na sala de aula e chegam ao mau desempenho. Como a gestão pode, na prática, interferir neste processo e gerar melhoria?

Veja bem, o que adianta remunerar muito bem um professor se ele não tem condições de trabalho? Então, as questões não são isoladas e é preciso priorizar. Sei de estado que investiu, por exemplo, quatro anos em melhorar condições físicas das escolas. Mas no Ideb ficou em penúltimo lugar. Claro, pois o investimento foi na atividade meio. A gestão entra exatamente aí: na capacitação dos diretores em conhecimento técnico de gestão para atingir metas, reconhecendo os problemas e selecionando as causas que precisam ser atacadas. Por meio da gestão tem-se como se estabelecer prioridades e cobrar resultados. A minha convicção é de que os 10 pontos, entendidos como óbvios, são as causas mais relevantes que precisam ser atacadas de forma orquestrada.

 

9. O senhor fala da necessidade da presença das famílias nas escolas.

Há vários mecanismos para levar os pais às escolas, o que não dá é para fazer reuniões que são marcadas 10h, 3h da tarde, por exemplo. Aí é pedir que ninguém vá. Mas por que não criar atividades em horários especiais que atendam à conveniência dos pais. É preciso sair do comodismo e ter as famílias como aliadas no processo de educação.

10. Em quatro anos é possível alguma alteração do quadro da educação no Brasil?

É possível, sim, mas esta deve ser a mãe de todas as batalhas. O grande problema que observo a partir destes anos de experiência, em estados onde trabalhamos, é que logo conseguimos alguma melhora,  dão-se por satisfeitos e arrefece-se o empenho na condução do processo. Mas estes são processos para uma vida inteira. A meta deve ser a perfeição, sempre atuando nas causas, seguindo os planos estabelecidos. Mas não há essas estratégias, não há persistência. Aliás, isto acontece também na aplicação de gestão na administração pública. Ao cabo de algumas melhorias, os dirigentes dão-se por satisfeitos. Quanto à educação, pilar da sociedade, o  país precisa priorizá-la urgentemente.