Consta que São Francisco de Assis nunca disse a expressão “é dando que se recebe”. Contudo, julgo que, na prática, a expressão prevalece. Conheci, numa grande empresa siderúrgica estatal, um superintendente de recursos humanos, muito dedicado, comprometido, zeloso pelo seu trabalho, que queria fazer o melhor pela empresa. Como sempre acontece em empresas, há competições e mesmo pessoas que gostam de interferir no trabalho de outros, com intuito de aparecer e poder galgar posições superiores. Essa empresa não era exceção.
Nas minhas reflexões, pensei: esse superintendente precisa marcar um gol e nós precisamos de um projeto que seja um grande desafio. Rascunhei um pré-projeto e fui discuti-lo com o citado técnico. Disse-lhe: a empresa vai receber tecnologias de ponta e quem vai recebê-las? É um grande desafio, pois há necessidade de pessoas de elevada capacitação. Proponho que você forme técnicos com o mestrado. Contrate engenheiros agora no fim do ano, mande-os para Belo Horizonte para fazer os créditos e em seguida eles elaboram as teses em temas ligados às novas tecnologias, já trabalhando na usina. Ele aprovou a ideia, apresentou-a ao presidente que o aval para prosseguir. Elaborei um projeto robusto, contemplando inicialmente a formação de 20 mestres, para obtenção de financiamento de uma agência governamental.
Aprovados os recursos, estávamos prontos para começar. Mas no Brasil, nem tudo são flores. Tive um colega que dizia que aqui vivemos em picos e vales, mais nos vales. Em outras palavras, temos micro ânimos e mega sustos. A nossa pós-graduação foi concebida tendo como apoio o antigo Instituto de Pesquisas Radioativas, que era parte da UFMG. Esse Instituto possuía equipamentos e pessoal docente qualificado indispensáveis ao nosso trabalho. Num simples ato, a presidência da república retirou o Instituto da esfera da Universidade. O que fazer agora? Tínhamos um dilema, prosseguir ou cancelar o projeto. Decidimos utilizar parte dos recursos disponíveis para contratar 8 docentes estrangeiros, todos com doutorado, e elaborar as teses na própria usina da empresa, trabalhando na escala industrial. Assim, deu-se início no Brasil a um inusitado programa de interação universidade-empresa. Antes, entendia-se por essa interação a obtenção de amostras para trabalhos práticos, de visitas de turmas de estudantes para ver instalações e operações, de estágios para estudantes. Nunca um programa com tal profundidade, em que recursos financeiros eram canalizados a universidade como pagamento pelos serviços. Este tipo de programa se alastrou pelo País, de forma que trabalhamos para quase todas siderúrgicas. Como consequência, nosso Departamento de Metalurgia já produziu perto 900 pós-graduados, mestres e doutores, sendo que mais da metade das teses foi feita dentro da indústria. Até hoje este trabalho ainda é o paradigma na interação universidade-empresa no País.
Estes programas com indústrias nos deram credibilidade para vários desdobramentos, entre eles a obtenção financiamentos internacionais para equipar o Departamento que era carente de equipamentos para ensino e pesquisa, de assumir a Escola de Engenharia para modernizá-la e também de lançar o movimento nacional pela qualidade ( conhecido na época como TQC), por meio da Fundação Christiano Ottoni (que se transformou num fenômeno nacional). Essas realizações serão objeto de futuros relatos. Tive o privilégio de liderar esses programas, o que muito me orgulha ao fazer essas menções.
A assertiva feita no início desta página tem plena validade. Pense no próximo e em como ajudá-lo. Você pode receber retornos impensáveis, muito além da sua compreensão. São gentilezas divinas, como já escrevi em outra ocasião.