Recordo meus estudos de literatura portuguesa por meio de poesias. A fábula de Aesopus (transformada em poema por La Fontaine, aqui traduzida) mostra a dureza da vida: cantou, agora dance. Olegário Mariano, por meio de inspirada poesia, mostra que a cigarra não pode parar de cantar. Temos que apoiá-la, pois o seu canto é imprescindível na natureza. É impressionante: como um inseto tão pequeno consegue emitir um som tão possante? Na fazenda, ficamos esperando o canto da cigarra. Traz a informação que a estação chuvosa está chegando, que um período ansiosamente aguardado.
CIGARRA E A FORMIGA (La Fontaine)
A cigarra, sem pensar
em guardar,
a cantar passou o verão.
Eis que chega o inverno, e então,
sem provisão na despensa,
como saída, ela pensa
em recorrer a uma amiga:
sua vizinha, a formiga,
pedindo a ela, emprestado,
algum grão, qualquer bocado,
até o bom tempo voltar.
“Antes de agosto chegar,
pode estar certa a senhora:
pago com juros, sem mora.”
Obsequiosa, certamente,
a formiga não seria.
“Que fizeste até outro dia?”
perguntou à imprevidente.
“Eu cantava, sim, Senhora,
noite e dia, sem tristeza.”
“Tu cantavas? Que beleza!
Muito bem: pois dança agora…”
CONSELHO AMIGO (Olegário Mariano, in últimas cigarras, 1920).
Cigarra! Levo a ouvir-te o dia inteiro.
Gosto da tua frívola cantiga,
Mas vou dar-te um conselho, rapariga:
Trata de abastecer o teu celeiro.
Trabalha, segue o exemplo da formiga,
Aí vem o inverno, as chuvas, o nevoeiro,
E tu, não tendo um pouso hospitaleiro,
Pedirás… e é bem triste ser mendiga!
E ela, ouvindo os conselhos que eu lhe dava
(Quem dá conselhos sempre se consome…)
continuava cantando… continuava…
parece que no canto ela dizia:
— Se eu deixar de cantar morro de fome…
que a cantiga é o meu pão de cada dia.