Fernando Sabino, na crônica Minas Enigma, descreve o mineiro: “Se sou mineiro? Bem, é conforme, dona. (Sei lá por que está perguntando?) Sou Belzonte, uai….” e nesse tom continua. Pela sua grande extensão territorial, pensam em dividir Minas, criando os Estados do Triângulo e de Minas do Norte. Se morasse no triângulo, p.ex., não abriria mão de ser mineiro e lutaria por isso. Toda vez que viajo, sinto uma satisfação enorme ao desembarcar em Confins e ver a Serra do Curral. Em suma, só sei ser mineiro e isto é motivo de indescritível orgulho.
Recentemente, o Vereador Paulo César Pablito, num gesto de generosidade, apresentou-me à Câmara dos Vereadores e concedeu-me o título de Cidadão Honorário de Belo Horizonte. Fiquei extremamente honrado! Os requisitos são exigentes, sobretudo os de ter uma vida honrada, dedicada à cidade, e realizações importantes para Minas e o País. Para entender a importância do título, basta dizer que até então apenas 1624 pessoas o haviam recebido, sendo o primeiro agraciado Juscelino Kubistcheck, em 1957. No último 28 de maio, deu-se a entrega do Titulo, na presença de muitas autoridades, empresários, familiares, amigos, ex-companheiros de trabalho da UFMG e de outras organizações de que participei.
Nasci em uma fazenda perto de Sá Carvalho e fui registrado em Marliéria, MG, berço de grande parte da família Godoy. Como a fazenda foi demolida, eu brincava que era apátrida. Ainda aos sete anos, minha família mudou-se para Pedra Corrida, MG, para continuar atividades na agropecuária. Ainda tenho na memória a grandiosidade das florestas do Vale do Rio Doce. Um pouco do que restou pode ser apreciado no Parque do Rio Doce, que fica ao lado de Marliéria.
Cheguei a BH em janeiro de 1955, com 15 anos, para trabalhar com meus tios Geraldo e José Godoy e estudar. Não pude começar o ginásio (como era chamado na época), porque não tinha o diploma do primário. Frequentei a Escola Estadual Pedro II, à noite, para obtê-lo, com nota máxima. Também pudera: já dominava completamente o conteúdo pelo aprendizado em casa, na escola da fazenda mantida por minha mãe. A rotina de estudo e trabalho seguiu-se, com muito sacrifício (basta dizer que o ano que servi o Exército foi o mais suave para mim), porém sem sobressaltos, até concluir engenharia metalúrgica na UFMG. Acabei não aceitando um emprego na área, optando por fazer pós-graduação no Rio de Janeiro e depois na Noruega, onde cursei o doutorado.
Sempre tive em mente que deveria devolver ao País o investimento feito em mim, principalmente ao proporcionar-me o curso superior gratuitamente. Iniciei a carreira na EEUFMG em 1972, como professor adjunto. Em 1983, fiz o concurso para professor titular. Além de professor, fui coordenador de pós-graduação e chefe do departamento de metalurgia ( sete mandatos), diretor da Escola de Engenharia, superintendente e diretor da Fundação Christiano Ottoni ( por 12 anos).
Tinha forte crença de que a pós-graduação, por ser conduzida em nível mais avançado e envolver pesquisa, acarretaria a melhoria do ensino da graduação do próprio departamento. Acreditava ainda que a Universidade deveria manter forte interação com a indústria, convicção adquirida no modelo norueguês que vivenciara. Lutei por essas ideias e julgo que fui bem sucedido. Engajei-me em dois programas que tiveram grande repercussão nacional, quais sejam: 1) Formação de mestres e doutores para as indústrias. Fui idealizador e administrador desse programa por dez anos. Nunca antes na história deste País (frase bastante ouvida nos últimos tempos…) havia sido feito um programa de tal envergadura. Recentemente a pós-graduação em metalurgia concluiu 1000 teses de mestrado e doutorado. Ressalte-se que pelo menos 500 das citadas teses foram elaboradas dentro da indústria. Um feito extraordinário! 2) Movimento da Gestão pela Qualidade, que teve o condão de mudar o País. Se hoje somos competitivos em muitas áreas, muito se deve ao programa, cujas principais ações foram conduzidas na Universidade, até 1998. Tive o privilégio de atuar como técnico e administrá-lo durante todo tempo. Ao receber a honraria, sou grato ao Pablito por valorizar minhas contribuições ao Brasil. Sou também eternamente grato à minha mulher e filhos pelo constante apoio e incentivo e aos companheiros e amigos pela ajuda na caminhada. A Belo Horizonte, pela acolhida e berço de minhas realizações. Agora sou também Belzonte!