Assistia com interesse à exposição de um consultor do agronegócio, quando ele mencionou que certo fazendeiro interviu num processo (deveria ser interveio)…. Perdi o interesse e ele a credibilidade. Um político relatou: houveram muitas dificuldades para aprovar certa lei (como haver é impessoal, deveria ser houve). Certamente, não será reeleito. A professora Dad Squarisi recomenda: “Risque houveram do seu vocabulário, você nunca vai precisar dele”. Em conversa com uma pessoa, ela disse que minhas ideias iam de encontro às dela. Como estava de cara boa, parecia que concordava. Se, de fato, concordava, deveria ser ao encontro. Um palestrante, bem falante, disse “há muitos anos atrás”. Tirou-me a concentração. Excrecência redundante, como subir para cima ou descer pra baixo. Deve ser: há muitos anos ou muitos anos atrás. Advogados gostam de usar protocolizar. Segundo a citada Squarisi: “É filhote de cruz credo”. Prefira protocolar. Nessa linha, sucedem-se bastantes erros, facilmente reconhecidos por quem tem familiaridade com nosso idioma.
Em determinados momentos, surgem modismos. Já foi a vez do a nível de. Está desaparecendo. O gerundismo já foi grande campeão, influência do inglês e telemarketing: vou estar telefonando, vou estar trabalhando são exemplos. Felizmente, está caindo em desuso. Agora, é enquanto. Dizem: eu, enquanto pessoa… O Brasil, enquanto nação independente…. Há poucos dias, num discurso de agradecimento por um prêmio, o agraciado usou inadequadamente enquanto 12 vezes. Deus me livre! Enquanto é advérbio de tempo. Deveria ser usado somente nesta acepção. Ex.: enquanto eu estudava, ele farreava ( por isso não aprendeu o básico do português). O certo é: o Brasil, como ( na qualidade de) nação independente.
Merece destaque a questão da pronúncia. Exs.: dolo, palavra em voga no momento, é pronunciada como dôlo (deve sê-lo como colo). Subsídio é dito como subzídio (é com s de sala). Muita gente diz previlégio em vez de privilégio. Com frequência, ouço indentificação em lugar de identificação. São erros que indicam falta de cuidado com a língua. Quando iniciei o científico (hoje curso médio), fiz teste vocacional. Indicou que eu tinha 10% de propensão para ciências da saúde, 35% para exatas e 65% para humanas. Como a virtude está no meio, fiz graduação e pós-graduação em engenharia. Na prática, segui a vocação: fui professor e administrador. O interesse pelas letras manifestou-se naturalmente. O professor Mauro Vilela, do Colégio Anchieta, reconhecendo a dificuldade de alunos do curso noturno em fazer um estudo mais amplo sobre a literatura portuguesa, expôs-nos a matéria por meio de poesias. Recitava-as com enlevo e paixão. Um deleite assistir às aulas. Ainda me lembro de A Carolina e Círculo Vicioso, de Machado de Assis; Ouvir Estrelas, de Olavo Bilac; Amor é fogo que arde sem se ver…, Busque Amor novas artes, novo engenho…., e Raquel, de Camões; Coração, de Guilherme de Almeida; Vou-me embora pra Pasárgada e Irene no Céu, de Manuel Bandeira; Canção do Exílio, de Gonçalves Dias; Deus, Eu nasci além dos mares, de Casemiro de Abreu. E outras mais. Fui tomado de tanto interesse pela matéria que, mesmo sendo aluno de curso noturno, comprei a coleção e li quase toda a obra de Machado de Assis.
Opondo-me o senso comum de que o engenheiro não precisa tanto saber escrever, digo o contrário. Beneficiei-me muito pela vida afora. Afinal, escrevi tese, artigos, centenas de relatórios e projetos, corrigi trabalhos acadêmicos, dissertações e teses. Como professor, tive o privilégio de interagir com o professor Carlos Bottrel Coutinho, também engenheiro, mas expert em português e inglês. Fizemos excelente parceria, que será narrada no artigo seguinte. Pelo fato de conhecer um pouco da língua, tiro proveito disso até pra brincadeiras. Certa vez, disse numa assinatura de um contrato: “O fulano intermedeia com competência a parceria entre nossas organizações”. O presidente da empresa quase caiu da cadeira, achando que eu cometera crasso erro. Seguramente, esperava um intermedia.